O Plano - Friendzone, capítulo 2

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Cassie e Sid, Skins UK, personagens
que indiretamente inspiraram este conto
- Você tem certeza de que quer fazer isso?

Um breve silêncio se seguiu. Os dois estavam sozinhos no elevador panorâmico de um famoso edifício comercial da cidade, onde consultórios médicos e clínicas odontológicas dividiam o espaço com imobiliárias e escritórios de contabilidade. Aqui e ali surgiam misteriosas salas não identificadas onde pessoas suspeitas entravam e saíam discretamente.

- Claro que tenho - ela respondeu - já cheguei até aqui, meu bem, não vou voltar atrás agora. Falou pressionando o botão que levava ao décimo andar.

Erick suspirou preocupado, mas assentiu.  Ambos se debruçaram sobre o suporte metálico do elevador, observando pelo vidro as pessoas abaixo deles ficarem pequeninas, como se um bando de liliputianos ali estivesse.

Melissa estava inquieta. Não soltava nem por um momento o pingente da Casa Stark pendurado em seu pescoço, bastante ansiosa, dava voltas com o lobo gigante pela corrente enquanto mordia o lábio inferior. 

Erick se aproximou timidamente e falou com o máximo de cuidado, como que evitando irritar a amiga:

- Sabe Mel, podemos voltar outro dia, não precisa fazer isso hoje. Você deveria falar sobre isso com sua mãe antes, se ela descobrir de outro jeito não vai mais confiar em você.

- Já está decidido coração, eu já tenho 16 aninhos, já passou da hora disso acontecer, minha mãe evita o assunto toda vez que menciono e isso é muito injusto comigo, afinal é da minha vida que estamos falando, concorda?  Basta seguir o plano.

A porta do elevador se abriu. No corredor vazio, o ruído agudo e constante de uma máquina de tatuar indicava que eles haviam chegado ao lugar certo.

Era um dos estúdios de tattoo mais famosos da região, recomendado pelo extremo profissionalismo do proprietário, tanto nas condições de higiene e trabalho como na perfeição de suas artes.

Na recepção, uma moça estava concentrada, desenhando fractais sobre uma mesa de vidro abarrotada de ilustrações. Muitas tatuagens adornavam seu ombro, peito e braços. Sua pele era muito branca e seus cabelos muito escuros, usava uma camiseta com a frase “Keep calm and don´t blink”, uma referência a Doctor Who. Naquela sala impecavelmente limpa e organizada, fotos de pessoas tatuadas estavam cuidadosamente expostas nas paredes, ao lado de muitos certificados e troféus.

Antes de abrirem a porta, Melissa hesitou por um momento e desabafou:

- Estou nervosa Erick...

Ao invés de abrir a porta, Melissa deu um giro e encostou-se à parede de modo que a recepcionista não a visse, os dois se afastaram da porta, foram até o fim do corredor e sentaram nos degraus da escada de emergência.

-Eu pensei que seria mais fácil, sabe... Sua voz embargou. Um suspiro profundo precedeu a tentativa inútil de não chorar. Sentiu as lágrimas fluindo e virou o rosto, tentando sem sucesso enxugar a face molhada. Erick não sabia o que fazer. Homens nunca sabem o que fazer quando as mulheres choram, ficam em pânico, cedem a chantagens, pedem desculpas sem serem culpados, de fato as lágrimas femininas são como kriptonita para marmanjos. Abraços costumam ser a solução.

Todavia, o universo é na verdade um sacana de proporções macrocósmicas e a posição em que os dois estavam sentados na escada desfavorecia qualquer abraço. Virada para a parede, ela chorava em silêncio, com o rosto entre os joelhos, assumindo de vez a fragilidade que nunca demonstrava. Seu escudo contra o mundo consistia em esconder o rosto e manter os olhos fechados, enquanto seu corpo insistia em sacudi-la com espasmos tão fortes que lhe dificultavam a respiração.

Erick sabia que precisava intervir. A solução lógica que encontrou foi esperar que ela se acalmasse pra repensarem juntos o próximo passo. Acalmá-la era o mais urgente, por sorte próximo dali havia um desses bebedouros com copos descartáveis destinados aos visitantes do edifício. Ele encheu um copo com água e desceu alguns degraus para ficar diante dela:

-Beba um pouco, isso vai te acalmar!
-Você é um fofo... Obrigada!
-Se quiser podemos voltar outro dia, não precisa fazer isso hoje.
-Não vou mais adiar isso Erick, é só seguir o plano, eu vou me controlar, prometo!
-O importante é você entender, que voltar pra casa ainda é uma opção.
-Não sou covarde, Erick.
-Mas também não precisa provar nada pra ninguém.
-Você não entende, eu preciso fazer isso!
-Fazer o quê?
-Olhar nos olhos dele.

Aquela resposta encerrou o diálogo, sem argumentos Erick apenas observou-a levantando-se e recompondo-se. O rosto branquinho da menina estava rosado, seus olhos levemente avermelhados brilhavam suavemente devido às suas recentes lágrimas, entretanto observar o amigo desconcertado tentando acalmá-la produziu-lhe um doce, discreto e espontâneo sorriso.

-O plano é entrar, mostrar o desenho da tatoo, apresentar a autorização assinada pela minha mãe e pronto.

-Pode ser que eles queiram que sua mãe esteja presente.

-Se quiserem a gente cai fora, diz que volta depois e pronto, o que não podemos é voltar sem tentar.

-Vamos lá então, está preparada?

-Eu já nasci preparada!

Ambos riram. O clima ruim havia passado e a antiga Mel estava de volta, agarrada como de costume ao braço do amigo, puxando-o em direção ao estúdio de tatuagem. Esses breves momentos de contato físico eram o ápice do dia de Erick. Melissa era uma garota muito sinestésica dessas que adoram abraçar sem motivo, não tinha problemas em tocar e ser tocada pelas pessoas em quem confiava. Erick por sua vez, era discreto quanto a demonstrações públicas de afeto, mas aproveitava cada milissegundo daqueles abraços, ao ponto de reconhecer o cheiro do condicionador que ela usava, assim como o do perfume e do brilho labial.

Despistaram mais um pouco diante da porta de vidro, até que a mão hesitante de Melissa forçou a porta pra dentro, chamando a atenção da moça que estava distraída no computador.

-Olha, temos visita! Exclamou a recepcionista num tom surpreso – Em que posso ajudá-los?

Melissa olhou com certo desdém pras gengivas salientes da moça, cujo sorriso lhe parecia irônico e forçado. Já os olhos de Erick foram atraídos automaticamente para o decote generoso da garota, cujo peito estava totalmente colorido pelas muitas tatuagens que lhe cobriam. Uma cruz celta adornada com muitos detalhes simbólicos estava tatuada exatamente entre os dois seios e de uma clavícula à outra, uma frase em latim dizia: “Temulentus dormiens non est excitandus”. No ombro esquerdo, havia uma caveira mexicana com flores vermelhas nos olhos e no direito um anjo guerreiro segurando uma espada. No pulso da mão que manipulava o mouse, um rosto de mulher estava desenhado sobre duas letras rosadas, um “S” e um “G”. Numa das orelhas repousava um lindo ear cuff em forma de dragão.

Melissa vestiu sua face mais simpática e devolvendo o sorriso disse:

-Então... Quero fazer uma tatuagem e minha mãe exigiu que eu pesquisasse o melhor lugar da cidade. Nisto encontrei vocês e aqui estou, trouxe comigo toda a documentação que o site exigia.

-Entendi. E o namoradinho aí... Veio só conferir se o tatuador era gato?

-Não somos namorados! Responderam em uníssono.

-Bem que ele queria... Brincou Melissa vendo o amigo corar.

O olhar irônico da recepcionista deixou Erick envergonhadíssimo, acrescido de um sorrisinho sarcástico de quem queria continuar aquele assunto, mas precisava continuar as formalidades.

Melissa entregou-lhe os documentos e a autorização.

Aqueles documentos eram todos verdadeiros, a mãe de Melissa realmente aprovou e assinou todos aqueles papéis e estava ansiosa pra ver a primeira tatuagem da filha, uma estrelinha inocente na nuca escolhida no catálogo de outro tatuador, conhecido de sua mãe. Mas Mel tinha outros planos, convenceu a mãe a deixá-la ir sozinha com Erick, desmarcou com o outro estúdio e foi tentar a sorte com os documentos ali.

Erick se sentia culpado por enganar a mãe da amiga, que confiava tanto nele, mas concordou com o plano por que entendia a real motivação de Melissa. Ambos estavam ansiosos ali sentados, em cadeiras almofadadas.

A recepcionista se levantou e entrou na sala do tatuador, deixando-os sozinhos por alguns instantes. De repente, Erick sentiu um beliscão no braço.

-Ai! Tá ficando louca?

-Pare de olhar pro decote dela, seu safado!

-Eu não estava olhando – mentiu desconcertado.

-Estava sim, seu ridículo! Não minta pra mim e aprenda que toda mulher sabe quando um homem está olhando pros peitos dela, você não sabe nem disfarçar!

-Espera ai, todas as mulheres sabem quando um homem está... Você sabe, olhando? – perguntou Erick num tom de inocência e preocupação.

-TODAS! E isso inclui a mim, ou você pensa que nunca flagrei suas olhadelas antes, seu pervertido!

Erick não sabia onde enfiar aquela cara vermelha e sardenta, o coitado ficou com a boca aberta, mas não conseguiu responder nada, porque nenhuma palavra se dignou a sair pela sua boca, ficaram todas presas na garganta, algumas até mesmo zombando dele.

Para sorte do rapaz, a recepcionista interrompeu aquele momento constrangedor, abrindo a porta, disse:

-Mostrei o desenho para o tatuador e ele disse que consegue te atender em 20 minutos – você deu sorte hoje, por coincidência, um cara que ia fazer um dragão nas costas teve que viajar e desmarcou.

-Não confunda coincidência com destino, Jack! Respondeu Melissa sorrindo.

-Olha, temos uma fã de Lost aqui? Disse a moça.

-Dois fãs – disse Erick timidamente.

-Gostaram do final?

-Eu gostei. Já o Erick não.

-Não é que eu não tenha gostado, mas tipo eu esperava mais do Jacob.

-Mas concordamos que os 12 minutos extras que divulgaram deixaram claro que a ilha continua e que ...

-Fica quieta Mel! Interrompeu Erick- você não sabe se ela já assistiu tudo, já ia soltar spoiler.

-Eu não ia dar spoiler, Erick.

-Ia sim.

-Falar aquilo não é spoiler, eu só ia falar do Walt.

-Shhhh!!!!! Isso é spoiler, Mel!

-Calma, fiquem tranquilos, ninguém se preocupa mais com spoilers de Lost, estão todos mortos mesmo e no demais, eu assisti ao DVD e já sei sobre o Walt.

-Mas não estão todos mortos – disse Erick

-A propósito, qual é mesmo o teu nome? Perguntou Melissa, interrompendo a breve discussão.

-Mirella! 

-Você é muito bonita, Mirella. Gostei muito das tuas tatuagens.

-Tenho várias, comecei aos 15, minha primeira foi na nuca também como a sua, achei que se não gostasse, era só deixar o cabelo cobrir. Mas acabei gostando e fui fazendo, hoje tenho 11 tatuagens espalhadas, só no ano passado fiz cinco.

O telefone tocou. Mirella teve que interromper a conversa e resolver coisas do trabalho. Melissa estava nervosa, mas conversar a fazia esquecer a ansiedade, o verdadeiro motivo que fizera com que ela, uma boa menina, mentisse pra mãe e entrasse numa aventura que com certeza mudaria sua vida.

Ela e o amigo ficaram sozinhos novamente. O silêncio foi quebrado quando Mirella, saindo da sala com o telefone no ouvido, aumentou o som do computador pra que eles pudessem ouvir, estava tocando AC/DC.

Os dois ficaram em silêncio, curtindo o riff lento de guitarra dos irmãos Young. Melissa recostou-se discretamente ao braço do amigo e esticou as pernas para o lado, a ausência de palavras no mundo exterior aumentava o volume dos seus pensamentos, neles a voz de sua mãe era a mais alta, ecoava de maneira estridente fazendo-a sentir-se culpada por aquela atitude, sua própria voz em sua mente interrompia a discussão interna, argumentando sobre seus sentimentos e sobre livre arbítrio, aos poucos todas essas frases mentais se misturavam com a voz de Brian Johnson nas palavras da música “Rock N' Roll Ain't Noise Pollution”.

Em determinado momento, Melissa cantarolou uma parte da música:

- “We're just talkin' about the future
Forget about the past
It'll always be with us
It's never gonna die, never gonna die”

A letra da música fez muito mais sentido naquele momento, foi como uma confirmação, algo que tirava o peso do erro que castigava sua consciência.

-Estamos falando sobre o futuro Erick, o meu futuro.

-Estamos?

-Deixa pra lá, estava viajando aqui.

-Percebi.

-Já pensou no que vai dizer a ele?

Antes que ela respondesse, a porta se abriu e uma ruiva saiu da sala de procedimentos, com a panturrilha envolvida em filme descartável, tinha uma coruja colorida recém-tatuada. Acompanhando a moça vinha o tatuador, risonho e simpático, vinha falando com a moça sobre alguma coisa que parecia muito engraçada. Mas Melissa não ouviu nada daquilo, seu coração apenas disparou enquanto ele passava, sua respiração ficou difícil e uma sensação de frio cortante percorreu lhe o corpo por alguns instantes.

Igor era o nome do cara, usava o cabelo longo amarrado às costas, loiro escuro com algumas mechas mais claras, aparentava não mais que 35 anos de idade, tinha dentes perfeitos levemente separados entre si e quando sorria algumas marcas de expressão se formavam ao redor dos olhos verdes. Era alto e robusto, seus passos eram pesados e mesmo sério parecia estar sorrindo, com um ar involuntário de deboche. Usava um jaleco branco, sobre uma camiseta do Steppenwolf com calças jeans bastante surradas. Ao vê-los esboçou um breve sorriso e ergueu as sobrancelhas, numa saudação silenciosa.

Igor retornou rapidamente para a sala de procedimentos, Mirella entrou em seguida deixando a porta entreaberta, um breve diálogo pode ser ouvido entre eles:

- Já posso chamar a menina?

- Pode sim, vou usar aquele outro kit.

-Não quer dar um tempo?

-Não precisa. Você já revisou a documentação?

-Já sim, tá tudo certo.

- Pode trazê-la então.

Ao ouvir aquilo, Melissa apertou as mãos de Erick:

-Olha como minhas mãos estão frias.

-Fique calma.

-Até parece que falar isso resolve alguma coisa.

-Então, não fique oras.

-Ui... Olha quem está nervoso também.

-Desculpe.

-Idiota.

-Ridícula.

-Baka.

-Poser.

-Te Odeio!

-Mentira!

-Mentira mesmo!

Os dois começaram a rir, aquele riso de nervoso que surge nos momentos onde devíamos estar sérios. Disfarçaram quando Mirella olhou, mas foi inevitável que ela percebesse:

-O que foi? Perguntou Mirella, rindo também sem saber de quê.

-Nada – respondeu Melissa – esse menino que é um bobo.

-Eu? – disse Erick desconcertado – Fiz nada.

Um breve silêncio interrompeu aquele diálogo inútil.

- Vamos lá então? Perguntou a recepcionista.

-Vamos! Dizendo isso Melissa se levantou e olhou para Erick. 

Aquele olhar dizia muito, foi longo e profundo, comunicava uma grande decisão e só os dois entendiam o que aqueles poucos passos significavam.

Igor estava sentado detrás de uma mesa quando Melissa adentrou a sala de procedimentos, ele sorrindo pediu que ela se sentasse. A sala tinha som ambiente e estava tocando Smoke on the Water, do Deep Purple. O jaleco estava pendurado em um suporte enquanto ele mexia em alguns equipamentos, deixando seus braços expostos e permitindo que Melissa visse as muitas tatuagens que ele possuía. Igor tirou o controle remoto de uma gaveta e apontou para o equipamento de som, a fim de baixar o volume para que pudessem conversar, fazendo isso esticou o braço na direção do home theater.

Melissa então percebeu algo no braço do tatuador que a fez estremecer. Igor tinha um nome tatuado na parte inferior do antebraço direito, numa caligrafia adornada em verde e vermelho. Para surpresa da menina, era o nome dela tatuado ali.

Ficou pensando se falava com ele logo de uma vez, durante o procedimento, ou depois da tatuagem pronta, ou nunca. O medo aumentava a vontade de ir embora e ver aquela tatuagem deixou-a muito confusa, ao mesmo tempo feliz e revoltada. Estava na verdade mais feliz do que revoltada, infelizmente descobriu que não era tão manipuladora quanto pensava ser, pois já estava a ponto de abrir a boca, pulando umas duas etapas do seu plano original.

-Você acredita que as pessoas mereçam uma segunda chance? – Perguntou Melissa repentinamente.

-Me pegou de surpresa!- disse sorrindo - acredito que sim, errar é humano não é? Acredito que algumas pessoas merecem uma segunda chance sim. Alguém te magoou?

- Sim, mas quero saber o motivo, dar a chance do cara se explicar sabe...

-Algum namorado?

-Talvez sim.. talvez não. Disse ela sorrindo.

Igor riu também, chegou mais perto dela e reparou em suas feições, antes que ele falasse alguma coisa, ela começou a falar sobre a tatuagem:

- Você achou minha estrelinha muito simples? Acha que vai ficar bonita?

- Claro. Excelente escolha pra quem está começando, é pequena e você vai fazer em um lugar que normalmente é coberto pelo cabelo, sendo uma estrela vazada, será um procedimento rápido, acredito que será a primeira de muitas outras. Vamos começar?

Melissa concordou e esperou que ele preparasse tudo o que faltava, sentou-se em uma cadeira apropriada, macia e bem confortável. Igor provavelmente ficaria de pé, pois ela não viu uma cadeira reservada para ele. Observou-o preparar todo o material necessário, touca, luvas e outros itens relacionados. Estava enfim conseguindo, o que queria.

Enfim, o procedimento começou. Ela colocou uma touca também para evitar que o cabelo atrapalhasse, sentiu algo frio sendo esfregado em sua pele e depois algo como papel ou plástico, era o desenho da estrela sendo “impresso” em sua nuca. Quando ele esticou o braço para descartar alguma coisa, pode ver de novo a tatuagem com seu nome, agora coberta por uma luva transparente.

- Você percebeu que meu nome é o mesmo que está tatuado no seu braço?

Igor fez uma pausa, olhando instintivamente para o próprio braço.

-Longa história – ele disse - percebi sim, mas você estava falando outras coisas e não quis te interromper. Até por que as Melissas que vieram antes pediram desconto quando comentei! Disse em tom de brincadeira.

Ambos riram.

-Ela deve ter sido muito especial, ao ponto de te fazer tatuar o nome dela.
-Foi sim – seu tom de voz era baixo, melancólico. Um suspiro profundo mudou-lhe o semblante, antes espirituoso, agora entristecido.
-Desculpe, não queria ser intrometida.
-Você não tem culpa. Fique tranquila.

O procedimento começou, os pensamentos de Melissa faziam com que a dor fosse diminuída, ela mal sentiu as agulhas furando sua pele, tudo o que sentia era a dúvida, a covardia e a coragem brigando dentro de si. Sem saber a razão, dentro de sua mente, ela cantarolava “Catch a falling star, and put it in your pocket, save it for a rainy day”, de alguma forma a canção a distraía. Ao fim de oito minutos, a tatuagem estava pronta e o momento decisivo tinha chegado.

-Terminamos – disse ele, limpando e cobrindo o local.

- Na verdade, não terminamos – disse Melissa, num tom sério.

-Como assim?

-Sei que você fez essa tatuagem há dezesseis anos, Melissa era o nome da filha que você teve com uma garota que conheceu numa festa em 1996, ainda se lembra dela, a Luciana? Vocês namoraram por um tempo, mas brigaram e se separaram pouco antes que o bebê nascesse.

Melissa fez uma pausa dramática, enquanto tentava não chorar, a voz embargou, mas ainda conseguiu continuar:

-Cara, você pelo menos chegou a me segurar quando nasci?

As lágrimas eram como gotas de sangue no rosto da menina.

-Que ironia! – disse ela rindo em meio às lágrimas -Algum dia imaginou que tatuaria a sua própria filha sem saber?

Perplexo, Igor emudeceu diante das palavras de sua filha, a filha da qual desistira quando jovem, mas que como um espinho na carne que lhe causava insônia todas as noites. Em seus sonhos, ele sempre se via deixando um bebê no asfalto, enrolado em um manto rosado, quando de repente, perdia os movimentos do corpo e a única coisa que ouvia era o choro estridente da bebezinha. Acordava se sentindo um covarde, um criminoso, a pior pessoa do mundo. Mas tinha que manter-se calmo agora, não podia estragar tudo daquela vez. Pegou o telefone e falou com a recepcionista:

-Mirella, cancele todos os meus compromissos da semana e ligue para o meu advogado.

Quando a Lua se vinga


Aquele tinha sido um dia estranho no vilarejo, uma manhã calma e silenciosa, uma tarde de muitos ventos, nenhuma nuvem no céu de um outono frio. O sol parecia mais apressado do que de costume e já seguia seu caminho rumo ao ocaso dando lugar a uma pálida escuridão.

A estrada para a cidade de Akello, cortava o vilarejo deRaani trazendo sempre forasteiros e viajantes, procurando por hospedagem. Os moradores que tinham boas casas, sempre alugavam quartos para os viajantes, contudo a principal hospedaria do vilarejo era mesmo a de Donkor Basiel, com muitos quartos, estábulo para os animais e uma taberna.

Naquela semana, um mercador da cidade de Nura trouxera alguns barris de uma safra especial de vinhos, o que atraía compradores de todas as terras da região, gerando bastante movimento, principalmente durante a noite.

A Lua cheia erguia-se no leste, quando começaram a chegar cavaleiros, servos e vassalos de Sor Abod, para provar do precioso vinho cultivado nas terras de NuraHamza, o caçador e seus dois filhos chegaram ao anoitecer, seguidos pelos servos de Sor Emmet.

Pouco tempos depois das estrelas da Serpente Alada surgirem no céu, Anke e Kimei, sobrinhos de Sor Dosha, chegaram fazendo muito ruído, rindo e falando alto.

Esses dois irmãos eram conhecidos baderneiros e já estariam mortos se não fossem sobrinhos do temido Sor Dosha, vassalo de Lorde Tau, o Senhor de Akello. Dentro da taberna, encontraram os servos de Sor Abod e começaram a provocá-los, zombando deles das diversas maneiras, os servos ouviam as provocações mas se limitavam a ignorá-las, mesmo sabendo que qualquer um deles poderia derrotá-los no caso de uma briga. Mas se isso acontecesse, seus senhores iriam se enfrentar e haveriam muitas outras mortes. Alguns deles ainda se lembravam da Batalha do Vale da Figueira, o último confronto entre Sor Abod e Sor Dosha. A paz só fora alcançada com a intervenção diplomática de Lorde Tau e era mantida com muita dificuldade.

A noite estava clara e por algum motivo qualquer, os dois resolveram sentar-se ao ar livre, numa mesa de madeira do lado de fora da taberna, para a discreta alegria de todos. Mesmo do lado de fora, gritavam como loucos, rindo e se ofendendo mutuamente.

_ Prostitutas! Gritavam do lado de fora. Não há mulheres nesta taberna, Donkor, seu maldito!

E realmente não haviam. Donkor Basiel, tinha esposa e filhas. Não permitia prostitutas na sua estalagem.

Não haviam bordéis em Raani. Uma cortesã, chamada Shifapercorria os vilarejos numa pequena comitiva com algumas prostitutas em três carroças e como não eram bem vindas ali, normalmente paravam sua comitiva num descampado á beira da estrada, próximo ao rio.

Os dois irmãos continuavam do lado de fora pedindo por prostitutas e gritando todo tipo de imoralidades.

Donkor, seu maldito, vá buscar a velha Shifa, pagarei uma moeda de prata por um par de coxas quentes - gritou Kimei.

_ A velha Shifa está no descampado – gritou um dos servos deSor Emmet – chegou de Limber há dois dias, com algumas mulheres novas, uma delas é da Ilha de Nayo.

As mulheres da ilha de Nayo, eram reconhecidas por sua extrema beleza, dizia-se que eram descendentes de uma das criaturas do mundo antigo, tinham rostos perfeitamente simétricos e cabelos de diferentes cores, eram cobiçadas em todos os reinos e quando se tornavam prostitutas cobravam fortunas por seus serviços.

_ Por que não nos disse isso antes, filho de Shifa ! - gritou Anke, enquanto pensava em se levantar para ir até o acampamento das prostitutas. A noite estava clara e o acampamento não ficava tão longe, se era possível chegar lá rapidamente caminhando pela estrada, cavalgando seria ainda mais rápido. Os dois baderneiros começaram a preparar seus cavalos quando avistaram uma mulher caminhando pela estrada vindo em direção ao vilarejo.

_ Parece que não teremos que cavalgar tanto afinal – comentou Kimei com seu irmão, insinuando que a mulher que vinha sozinha pela estrada seria uma das prostitutas de Shifa.

Os dois caminharam até a beira da estrada para abordarem a jovem que caminhava. Deve estar vindo à procura de homens – pensaram eles. Enquanto ela se aproximava, puderam notar sua extrema beleza. Tinha cabelos pretos, que o vento da noite teimava em movimentar, a luz da Lua evidenciava a pele branca do seu rosto, entretanto não se vestia como uma prostituta, pelo contrário, usava uma espécie de manto sobre o vestido que lhe cobria quase todo o corpo. Deveria ser uma daquelas mulheres exóticas da Ilha de Nayo - pensaram - tinha muitos anéis e pulseiras, mas um único colar cujo emblema não conheciam. Quando se aproximou, revelou um par de olhos azuis inacreditavelmente belos. Excitados por aquela beleza sobrenatural, os dois interpelaram a jovem mulher, com gracejos e pantomimas.

_ Ei Dama dos Prazeres! - gritou Kimei - venha provar sangue nobre! Se for uma boa égua esta noite, comerá pasto verde pela manhã! 

Os homens da taberna, saíram para ver a tal mulher da estrada. Se fosse mesmo uma prostituta procurando por homens na taberna, Donkor certamente a mandaria de volta para Shifa e provavelmente, os sobrinhos de Sor Dosha regressariam com ela para o acampamento.

No entanto, a jovem não era uma prostituta e ignorando os gritos deles, continuou seu caminho a pé pela estrada em direção a Akello. Enfurecidos pela indiferença da moça, correram em sua direção na intenção de tomá-la à força.

Se fosse uma prostituta não recusaria a oferta deles – pensouDonkor – e ao ver que os rapazes corriam para violentá-la chamou os homens que estavam na taberna para impedi-los.

Os dois saltaram violentamente sobre ela, Anke a agarrou por trás impedindo que ela movesse os braços enquanto Kimeivindo pela frente, com as  duas mãos apertava o rosto da moça e ria dizendo obscenidades. Donkor e os outros em vão gritavam para que eles parassem com aquilo e não fizessem mal à moça. Alguns milicianos seguravam suas espadas, aguardando apenas que Donkor os convencesse a parar. Na janela da casa, a esposa e as filhas de Donkor Basielacompanhavam a tudo aquilo, desesperadas  e compadecidas da pobre moça, ao mesmo tempo temendo o que aconteceria se Donkor ferisse os sobrinhos do temido nobre.

Ninguém até então tinha reparado nas feições da jovem que estava sendo atacada. Com o semblante estranhamente tranquilo, olhando fixamente para Kimei, a jovem começou a falar, num idioma desconhecido.

_ Alore Elasha ... Alore Ro ... Alore Shemevi ... Alore Kediv !

De repente, Kimei começou a sentir suas mãos adormecendo, sentiu câimbras em todos os músculos do corpo, perdeu as forças nas pernas e caiu no chão, caído pode ver seu irmão tendo convulsões e se debatendo na poeira da estrada. Tentou gritar, mas a sua voz não saía, um zumbido estridente soava em seus ouvidos causando-lhe uma dor intensa, sangue escorria por todos os orifícios do seu corpo, tentou mover-se, mas estava paralisado. Enquanto sua visão escurecia, ainda conseguiu ver seu irmão se revirando no chão, enquanto as pernas da moça se afastavam continuando seu caminho. Seus pensamentos mergulharam num silêncio tenebroso. Por fim não sabia se estava vivo ou morto, uma terrível angústia foi toda a vida que lhe restou mergulhado naquela densa escuridão.

Um temor profundo se abateu sobre todos os que assistiram aquela cena, muitos deles lembrando das lendas antigas já imaginavam o quê haviam presenciado. No alto, as filhas de Donkor espiavam por uma fresta da janela, enquanto sua mãe lhes explicava que em noites de lua cheia, mulheres belíssimas, conhecidas como "Filhas da Lua" caminhavam pelas estradas procurando por homens gentis que merecessem desfrutar um cêntimo dos seus encantos. Nas maioria das histórias, elas eram ajudadas por bondosos cavaleiros que lhes ofereciam escolta e proteção, sendo presenteados com noites inesquecíveis de paixão e luxúria. Não obstante, quando encontravam homens ruins, que tentavam fazer-lhes mal, se defendiam amaldiçoando-os numa língua antiga, conhecida apenas por elas. Os amaldiçoados cairiam numa demência profunda, permanecendo num estado deplorável de semi-vida. Muitos eram encontrados, ainda vivos sendo comidos pelos vermes da terra, outros por sorte, encontravam alguma alma grande que lhes desse o ultimo golpe de misericórdia, fosse com uma espada afiada ou com um simples travesseiro. Naquela mesma noite, mensageiros de Donkor foram enviados ao castelo de Sor Dosha para que a família tomasse providências, pois nenhum dos presentes ousaria tocar os corpos dos amaldiçoados.

Desde então, as pessoas começaram a chamar aquele lugar de"Iasi Erim" que na língua antiga significa: "Quando a Lua se vinga".

Alter Ego


Arte de Paulo Sérgio Zerbato
Tive um sonho repetido.

Acredito que todos já tenham passado por isto, o que tornaria irrelevante minha divagação.

Mas se fosse apenas um sonho repetido, poderíamos dizer que algum neurônio desatento mordeu suas próprias sinapses e ficou girando em loop, como se fosse um ouróboros ou um cachorro perseguindo o próprio rabo, ou um disco de vinil arranhado, ou a ilha de Lost depois que o Ben girou a roda... Ah! Você entendeu!

Não foi só um sonho repetido, novos detalhes apareceram e o que mais me impressiona: enquanto eu lá estava, os sonhos anteriores eram para mim simplesmente memórias e eu acreditava nelas, e não ficava surpreso por isso, por que eram memórias legítimas, acordei  até acreditando no sonho de tão críveis que eram as possibilidades e confesso que permaneci na dúvida por uns longos três minutos. 

Percebi também que mesmo em outros sonhos as memórias eram compartilhadas e formavam toda uma história, com eventos em comum que sugerem se tratar de uma continuação, mesmo existindo muitos anos terrestres de distância entre os sonhos.

Sim, caro leitor! Você está pensando certo: UNIVERSOS PARALELOS!

E SE num outro universo meu alter ego tem sonhos com a vida que levo agora?

Posso até imaginá-lo sonhando com uma sala de aula sem entender por que seu sobrenome está sendo invocado por um monte de pessoas confusas sentadas em computadores. Num dado momento, ele se vê na fila de um supermercado estranho, cujo logotipo ele não reconhece e quando vai pagar a conta, usa o cartão de um banco onde ele nunca foi cliente.

Se Hugh Everett III estiver certo, ele apenas acorda, esquece tudo isso e segue com a vida que resultou das minhas escolhas.

Você provavelmente terá outra explicação para esse fenômeno, afinal é comum querermos explicar tudo o que acontece. Esse texto tampouco pretende ser uma explicação, senão uma simples divagação sobre o fato. Mas a Matrix tem seus propósitos e se não fosse o desaforo das máquinas quererem usar humanos como baterias, aposto que haveriam muitos voluntários querendo viver lá pra sempre.

Só sei que meu alter ego, se realmente existir, deve acordar com muita inveja de mim.

Friendzone - Capítulo 1



Melissa é uma garota inteligente, do tipo que se lembraria sem esforço o número atômico do carbono durante uma tentativa de encontrar mensagens ocultas na sequência numérica de Fibonacci. Sem contar que ela faz tudo isso enquanto assiste Fringe em seu laptop e tenta decifrar aqueles misteriosos glyph codes.


O trajeto de ônibus entre a escola e sua casa durava vinte minutos, o que era tempo suficiente para avançar pelo menos dois capítulos no Guia do Mochileiro das Galáxias enquanto ouvia Joan Jett em seu iPod. A chuva embaçava a janela do ônibus e gotas insistentes teimavam em atravessar a pequena abertura da janela, a mesma que minutos antes fora fechada abruptamente por um passageiro revoltado, como se as gotas de chuva fossem gotas ácidas. Não demorou para que a condensação transformasse o vidro da janela em uma tela de pintura a dedo, para artistas anônimos entediados.

Melissa rabiscou um triângulo, traçou um círculo dentro dele e dividiu-o ao meio com uma linha reta. Qualquer potterhead que se preze reconheceria as “Insígnias da Morte”, ela sorriu admirando a perfeição do seu desenho, que rapidamente esvanecia dando lugar a uma nova tela de vapor sobre vidro, limpa e pronta para um novo ilustrador ou uma nova ilustração. Observou uma fumaça preta saindo do escapamento do ônibus que ia à frente, ver essa cena tornou inevitável completar o espaço restante do vidro rabiscando os seguintes números: 4 e 8, 15 e 16, 23 e... um sorriso bobo acompanhou a escrita do número que encerrava a sequência: 42, o sentido da vida!

Quase perdeu o ponto, lembrando do Sawyer e percebendo como ele se parecia com o Ricardo, um jogador de futebol do time da escola. Ela odiava futebol, mas por causa dele começou a frequentar o treino do time.

O porteiro do seu prédio, reconhecendo a loirinha de mechas azuis, parada junto ao portão, apertou aquele botão como se fosse Homer Simpson e observou a porta automática fazendo seu trabalho. Melissa cumprimentou-o com os olhos. Um breve sorriso e um leve inclinar simultâneo de cabeças completaram os protocolos sociais, logo correu para apanhar o elevador que subia vazio. Sozinha, fitando o espelho, encarava a si mesma.

Observou os próprios lábios, movimentando-os e umedecendo-os, mexeu no cabelo, pensou em pintá-lo completamente de roxo ou rosa, imaginou-se como Sakura, como Erza, como Saori.

No terceiro andar, o elevador se abriu e Erick entrou, o mancebo em questão era o seu "melhor amigo homem", com quem partilhava seu vício por Skins. Um garotinho ruivo de dezesseis anos, com o rosto cheio de sardas e que morava dois andares acima do seu, se conheciam desde pequenos, jogavam Guitar Hero e assistiam The Big Bang Theory, ele era como um irmão pra ela, um grande amigo.

- Oi! – disse ele, entrando no elevador com um sorriso recém-nascido que formava covinhas nas extremidades do seu rosto. Melissa sorriu de volta e perguntou:

-Aqui... você vai lá em casa depois né?

-Vou sim, vou almoçar e depois eu desço. Baixei “The Walking Dead” vou levar pra gente assistir!


- Vem logo então, que eu vou sair depois, vou ver o treino do time hoje – ela disse.

Beleza então – ele respondeu, denunciando a morte prematura do seu sorriso recém-nascido, o elevador se abriu e Melissa saiu. De repente ela se virou e disse:

Anda logo hein!

A porta do elevador se fechou e mesmo que Erick tivesse respondido algo ela não poderia ouvi-lo. Deu um soco falso na parede do elevador e fingiu gritar sem emitir nenhum som:

-Eu te amooooo! Sua bobaaaaa! Como você não percebeeeee? 

Um longo e triste suspiro calou seu grito mudo, enquanto o elevador subia.

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Contos Vampirescos - Capitulo 2



*-*

C
hristine estava ofegante, tremia, chorava, sentindo em seu rosto o sangue que Adam derramara no momento de sua morte, suas lágrimas se misturavam ao sangue e deixavam em sua boca um gosto salgado e amargo. Por alguns momentos, sua mente ficou vazia e o único impulso que sentiu foi o de gritar, gritar pra sempre, um grito sem fim que explodisse tudo a sua volta.

Por alguma razão, Ricky não entrava no carro, apenas a encarava com um sorriso demoníaco enquanto se alimentava do sangue de Adam ainda quente. Por instantes, olhou para os lábios dele sorvendo de maneira selvagem o sangue que ainda era expelido pelo ferimento aberto, aqueles lábios que em outro tempo ela tanto desejava, agora seriam os instrumentos da sua própria morte.

Imóvel, acuada contra a porta do carro, Christine esperava por sua morte inevitável. Desesperada, começou a rezar, uma reza antiga que aprendera com seu avô, uma das poucas coisas que ela conhecia do idioma irlandês:

- Ainghil Dhe, bi ’na do lasair leith romham, Bi ’na do reuil iuil tharam, Bi ’na do ro reidh fotham, Is ’na do chiobair caomh mo dheoghann, An diugh, an nochd agus gu suthann. Amen.*

Era uma invocação angélica. Christine pensou em seu avô, ele sim acreditava nessas coisas místicas, contos de fadas com duendes traiçoeiros e bruxas vingativas, desde pequena ouvira histórias de como São Patrício expulsou as serpentes da Irlanda e de como São Columba exorcizou o Monstro do Lago Ness na Escócia. Ele talvez fosse o único que acreditaria nela se ela contasse sobre vampiros. 

-Mas se vampiros existem – ela pensou – a forma de matá-los deve ser igual á dos livros, crucifixo, água-benta, estaca no coração – ela tinha um crucifixo no pescoço, mas era tão pequeno...

Olhou para o colar que pendia do espelho do carro, parecia ainda mais assustador, agarrou-se ao crucifixo em seu pescoço, pensou em abrir a porta e correr, mas a porta estava bloqueada por uma parede e na outra porta, o vampiro a aguardava. Estava encurralada.

Tentou rezar mais uma vez, mas as palavras em irlandês se misturavam na sua cabeça e mal saiam pelos seus lábios que ainda estavam tremendo, tudo estava acontecendo tão rápido, mesmo assim ela não entendia por que Ricky ainda não a atacara, afinal ela era a vítima perfeita, indefesa, vulnerável e desprotegida, por que ele ainda não lhe fizera nenhum mal? – ela se perguntava, enquanto via o vampiro com os lábios banhados no sangue de Adam – pobre Adam!

Ricky sorriu para ela, suas presas eram bem maiores agora, suas pupilas eram dilatadas. A vampira ruiva observava tudo do outro lado da rua encostada à parede cinzenta dos fundos da lanchonete.

A rua estava deserta e mesmo se alguém os visse, certamente correria daquela visão grotesca. Um rio de sangue escorria pelo asfalto enquanto o vampiro drenava todo o sangue que podia da ferida aberta. Num piscar de olhos e numa velocidade incrível, a mulher já estava ao lado de Ricky. Segurou os cabelos dele e puxou sua cabeça forçando-o a descravar suas presas da carne despedaçada de sua vítima.

_ Ya basta Ricardo! El hombre esta muerto! – falou a mulher olhando nos olhos dele enquanto ainda o  segurava pelos cabelos, Christine reconhecera o idioma falado pela mulher, era espanhol, ela não sabia o que significava, mas seja o que fosse, aquilo fez Ricky parar. Era evidente que ele a obedecia.

Os olhos da mulher encontraram os dela, eram olhos extremamente belos, uma íris levemente acinzentada, um semblante triste. A mulher a observou, afastou o corpo de Adam com um dos pés e se inclinou para a porta do carro, olhou nos olhos de Christine, inspirou profundamente o ar e falou devagar:

_ Teu medo tiene um cheiro suave, pequeña! - o carregado sotaque castelhano deixava o sorriso em seus lábios muito mais cruel. Christine suspirou profundamente, segurou mais uma vez seu pingente de cruz, apertando com mais firmeza desta vez, quase rompendo sua frágil corrente, sua voz tremia, mas mesmo assim ela perguntou:

_ Por que vocês ainda não me mataram? uma coragem súbita surgiu em seu interior e isso a fez encarar a mulher - Me diga! Não sei que tipo de aberrações assassinas vocês são, mas sei que já poderiam ter me matado e ainda não o fizeram. Por quê? 

Os dois vampiros se entreolharam e riram, a mulher se adiantou e respondeu:

_ Você não percebeu o que aconteceu aqui, não é mesmo? Não precisa temer por sua vida, pequeña, pelo menos não agora - a mulher olhou novamente  para Ricky, ambos sorriram, e ela continuou  no tempo certo uma escolha te será dada, mas por enquanto, por que não olha no porta-luvas do carro?

_ O que haveria no porta-luvas do carros? - Christine pensou

Tendo dito isto a mulher virou as costas e se afastou, os dois vampiros começaram a revirar os bolsos de Adam conversando entre si algo que Christine não conseguia entender, ela olhou para o porta-luvas do carro, para o colar que pendia no espelho e percebeu que na verdade não era a cabeça de um gato como ela pensou da primeira vez, mas sim uma espécie de gárgula, com um rosto monstruoso que mais parecia a uma serpente e parecia encará-la ameaçadoramente. 

Um frio repentino fez seu corpo estremecer e uma espécie de tontura fez com que ela baixasse a cabeça, como se fosse desmaiar, ouviu um sussuro:

_ A chave! escutou uma voz suave de criança dentro de sua mente repetindo - a chave!

_ Devo estar enlouquecendo! - Pensou.

Sentiu algo puxando seu braço, uma pequena mão humana surgiu entre os bancos e apontou para a chave do carro que pendia na ignição.Olhou para ver de onde vinha aquela mãozinha e se deparou com um garotinho sentado no banco de trás. Tinha cabelos e olhos pretos, aparentava ter menos de 8 anos de idade, vestia uma suave túnica marfim com cordões, estava descalço e apontava para a chave do carro.

_ Quem é você? perguntou assustada, tendo dito isto olhou rapidamente para os vampiros, com medo que eles vissem e matassem o garotinho - como foi parar ai? ela perguntou.

Mas o garoto não estava mais lá, tão somente os sussurros sibilavam na sua mente:

_ A chave!  - repetia a voz do menino.

Christine olhou para a chave do carro e se lembrou das muitas vezes que vira seu pai fazendo isto, ela porém nunca tinha dirigido, apenas fechou os olhos, girou a chave e pisou com força no acelerador. O carro obedeceu milagrosamente e arrancou em linha reta mesmo que ela não soubesse o que estava fazendo. O carro parecia estar vivo.

Seguiu apenas seu instinto e foi movendo o volante como se fosse o guidão da própria bicicleta, não teve coragem de olhar se os  vampiros a estavam seguindo, apenas dirigia apressadamente de volta pra casa.

Parou o carro em frente ao seu portão. Respirou, colocou as mãos no rosto, debruçou-se sobre o volante e chorou apertando o volante com as mãos como se fosse o pescoço de um  inimigo. Sentia o sangue de Adam fazendo suas mãos grudarem no volante, levantou a cabeça aos poucos girando o pescoço para a esquerda, um par de olhos negros a observava de perto, encostado no vidro do carro! Era o garoto.

_ Pare de me assustar assim! falou sussurrando - e quando foi abrir a porta, o garotinho balançou a cabeça negativamente e mostrou-lhe as mãos, sangue pingava dos seus dedinhos. Não só as mãos do garoto estavam cheias de sangue, toda a sua túnica marfim estava ensanguentada assim como seus pés descalços deixavam uma trilha de pegadas vermelhas que iam até a porta de sua casa.

O garoto desaparecera novamente e junto com ele as pegadas de sangue.

Christine saiu do carro e correu para casa, achou estranho a porta da frente estar aberta. Chamou pelos pais, entretanto não ouviu resposta alguma. Percebeu sangue pelo chão, não eram pegadas, mas alguns respingos nas paredes e manchas no carpete, sinais de luta.

_ Estão mortos! - ela pensou.

Chegando ao quarto deles, já imaginava o que veria, mesmo assim, tomou coragem e tocou a maçaneta da porta, abrindo devagar com esperança que tudo aquilo fosse só um pesadelo e que acordaria de repente, sã e salva em sua cama.  Sentiu a mão do garotinho segurando o seu braço. 

_ Ele está tentando me preservar - pensou -mas tenho que aceitar a realidade agora!

Sobre a cama encontrou os cadáveres de sua família, os corpos  tiveram o sangue drenado nas têmporas, ela não se conteve e soltou um grito de pavor e ódio, saltando sobre a cama abraçou os corpos de seus pais. O rifle de seu pai estava quebrado ao meio, com a parte de madeira enterrada em seu peito, o cano de ferro estava retorcido no chão ao lado da cama, sua mãe teve o pescoço quebrado.

_ Eles devem ter chegado antes de mim - pensou - essas criaturas são muito rápidas. Em meio àquele pesadelo real, Christine desejou não ter saído de casa naquela noite, se arrependeu de todo a raiva que sentira de seu pai, seu pobre pai morto nos seus braços ali junto com sua mãe, os dois tinham planos de comprar uma pequena fazenda e viver no campo quando ela se casasse. Christine fechou os punhos de ódio, queria vingança. 

O garotinho reapareceu, surgindo dentre as cortinas como um fantasma, estendeu-lhe a mão, já não havia sangue nelas.

Ela se levantou e seguiu o menino pela casa, a escada do sótão se abriu de repente, sem que ninguém a tocasse, a cabeça do menino surgiu da abertura do sótão, chamando para que ela subisse, ela subiu as escadas de madeira, como fazia quando era criança, havia muita poeira lá, teias de aranha, coisas velhas e sujas, o lugar estava escuro, apenas a luz da lua atravessava um basculante de vidro e iluminava parcialmente aquele local esquecido. O garoto apontou para uma caixa de madeira. Christine retirou algumas coisas e limpou a poeira da caixa com uma camisa velha, um selo em forma de cruz celta se formava no centro quando os dois lados da tampa se juntavam e uma espécie de tranca impedia sua abertura.

O garotinho apontou para o crucifixo que brilhava no pescoço de Christine:

_ A Chave! 



Referencias
* “Anjo de Deus, sê tu uma chama brilhante diante de mim, Sê tu uma estrela guia acima de mim, Sê um bom caminho a seguir-me, Sê tu um pastor gentilmente após mim, de dia, de noite e para sempre. Amen”.  Trecho do Antigo Oráculo Celta, intitulado Carmina Gadelica.



Contos Vampirescos - Capitulo 1


C
hristine estava deitada em sua cama, chorando baixinho enquanto relia as cartas de amor que Ricky lhe escrevera antes daquela maldita noite em que seu noivado teve fim.  De bruços sobre o travesseiro, sustentando o rosto com as palmas das mãos, suspirava profundamente folheando seu diário, onde guardava as pétalas secas das flores que outrora recebera de seu amor. No rádio, numa canção melancólica, Ritchie Vallens também chorava pela perda de sua amada “Donna”.

Não conseguia acreditar na traição de Ricky, mesmo tendo visto com seus próprios olhos, Ricky aos beijos com outra mulher, na mesma lanchonete em que sempre iam juntos. Seu pai, que dirigia o carro em que ela estava também contemplara a triste cena que arruinara sua vida, extremamente nervoso proibiu-a de sequer ouvir as explicações que Ricky pudesse apresentar-lhe e foi bastante rude com o rapaz ao ponto de ameaçá-lo com seu rifle.

Mas tudo o que Christine queria naquela noite, era ser como aquela mulher. Sentada na cama, em frente à penteadeira, enxugou as lágrimas e começou a se maquiar, mesmo não tendo festa alguma em que pudesse ir. Escolheu um batom de um vermelho vivo, realçou seus olhos verdes com maquiagem escura e fez cachos em suas loiras madeixas, abusando do laquê, do perfume e dos brincos.

Nunca saira de casa antes sem a permissão dos pais, mas aquela noite seria diferente, afinal já estavam em 1958 e ela já tinha 17 anos, já era uma mulher e podia muito bem decidir sua própria vida. Desceu as escadas vagarosamente e saiu pela porta dos fundos, não sabia para onde ir, mas sabia que não devia caminhar desacompanhada, pensou em chamar a amiga Lucy para irem á Sugar Beet, mas temeu que os pais da amiga a levassem de volta pra casa, mesmo assim seguiu pela rua mal iluminada a caminho da referida lanchonete.

A caminhada pareceu-lhe bem mais longa, mas enfim avistou o letreiro luminoso da lanchonete e aliviada por não ter sido descoberta em sua aventura noturna, entrou rapidamente procurando por uma mesa vazia.

Ricky não estava lá, vários casais ocupavam as outras mesas, muitos deles eram conhecidos da escola. Lisa Harvey estava lá com George Thompson, eles a cumprimentaram com um aceno. Numa outra mesa, estavam Jane e Stevie que olhavam fixamente para ela, como que esperando uma explicação, do por que dela estar ali desacompanhada.

Sentiu-se nua sob os olhares inquisidores das pessoas que conhecia, um tremor involuntário movimentou seu lábio inferior, suspirava profundamente e lágrimas teimosas se formavam em seus olhos, por pouco não se levantou e voltou para casa, colocando fim àquela estúpida aventura, não fosse o belo rapaz que se aproximara de sua mesa interrompendo seu instante de covardia.

O rapaz era alto, tinha olhos azuis frios, o cabelo preto reluzia encharcado de gel fixador, pele extremamente branca, um sorriso galanteador com dentes perfeitos e um maxilar bem definido, cheirava a loção de barbear. Christine nunca o vira antes, mas parecia que todos da lanchonete já o conheciam há tempos.
Sobressaltada com a aproximação do rapaz, Christine esperou que ele falasse algo, o que ele prontamente fez:

_ Perdoe-me senhorita, percebi que assim como eu, você também está desacompanhada, posso me sentar com você?

A antiga Christine não saberia o que fazer, mas a Christine que nascera naquela noite, sorriu para o rapaz e apenas acenou afirmativamente com a cabeça. O rapaz rapidamente puxou a cadeira, sentou-se e se apresentou:

- Agradeço a gentileza, senhorita! Permita que eu me apresente, meu nome é Adam Ford, sou novo aqui na cidade, posso saber seu nome? Perguntou o rapaz.
- Christine! Christine Collins – ela completou – e ao contrário do senhor, nasci aqui mesmo em Loveland e até hoje nunca deixei o Colorado.

O rapaz riu.

Christine um pouco desconcertada com a risada do rapaz pensou ter dito alguma besteira, o rapaz percebendo o breve incômodo, se explicou:

- Perdoe-me - disse ele – Mas sempre me divirto quando penso no nome desta cidade... Você sabia que o seu sobrenome Collins é irlandês e deriva de um clã de guerreiros celtas?

- Que interessante, eu não sabia disso! Disse Christine sorrindo discretamente enquanto se lembrava de que não devia estar ali.

- Como sabe todas estas coisas Sr. Ford? Indagou.

_ Te direi! Mas com a condição que de agora em diante você comece a me chamar apenas de Adam – pode ser?

Christine aquiesceu com um sorriso, levemente ruborizada. Adam então explicou:

- Nossos nomes carregam o legado de nossos antepassados, mesmo que mudem a grafia ou a pronúncia, sempre haverá uma razão para os portarmos, você carrega no sangue tudo o que eles foram, eu olho para o seu rosto e posso imaginar a beleza e a bravura dos ancestrais cujo sangue corre hoje em suas veias. – as palavras de Adam exalaram um ar de mistério que inundou todo o ambiente.

Christine ficou encantada com a inteligência, com a beleza e com o porte superior daquele estranho rapaz.

Enquanto o pedido deles era preparado Adam foi até o Jukebox e escolheu a música “Only You”, do grupo “The Platters”, com a escolha dessa música, alguns casais motivados pelo romantismo da canção, se levantaram e começaram a dançar lentamente, Adam se aproximou de Christine e estendeu-lhe a mão, convidando-a para dançar também, ao que ela ruborizada aceitou.

Enquanto dançava, sentiu as mãos frias de Adam tocando suas costas, seu rosto macio e sua respiração refrescante, seu cavalheirismo e sua delicadeza fizeram-na esquecer de Ricky por alguns instantes.

Entretanto, aquela paz e tranquilidade duraram só alguns instantes. Antes do fim da canção, ela avistou Ricky e a mulher entrando na lanchonete, um calafrio percorreu todo o seu corpo e a fez estremecer. Adam percebendo aquele sobressalto procurou seus olhos e perguntou:

- Algum problema?

- Eu não devia estar aqui – ela respondeu.

- Posso te levar de volta pra casa se você quiser – ele disse.

Mas ela não podia chegar em casa com um estranho que acabara de conhecer num bar, enquanto dançavam ela se preocupava com a possibilidade dos seus pais já terem percebido sua ausência e nada respondeu ao rapaz.

Voltando para a mesa, tentou evitar olhar para Ricky, mas foi impossível. Dessa vez, reparou bem nas feições da mulher que roubara-lhe o noivo. A mulher aparentava ter mais de vinte anos, cabelos ruivos encaracolados, lábios grossos muito vermelhos e uma aparência hispânica que emanava uma estranha sensualidade. Os dois estavam fumando.

- Ricky está diferente – pensou. Olhou-a de maneira sarcástica e sorrindo, levantou o copo de cerveja numa atitude irônica, a mulher também sorria. Christine ignorou-os.

Adam acompanhou-a até a mesa, sem saber o motivo daquela atitude apreensiva. Por sorte, a mesa deles era distante da mesa em que Ricky e a mulher se sentaram e de um modo que ela ficava de costas para eles.

- Se importaria em explicar-me o que aconteceu? – Perguntou Adam intrigado. E Christine contou-lhe toda a história, enquanto Adam olhava ameaçadoramente para a mesa dos outros dois.

Christine assustou-se com a expressão de ódio que surgira no rosto de Adam enquanto ela lhe contava seu infortúnio, temeu que ele quisesse defender-lhe a honra, provocando Ricky para uma briga.

Após ouvir todo o relato, Adam acalmou-a com algumas palavras, combinaram que ele a levaria de carro e a deixaria em um local seguro próximo á sua casa, mas longe o suficiente para que seus pais não percebessem.

Mesmo com toda essa proteção que ele a oferecia, Adam continuava sendo um estranho para ela, o que a excitava e ao mesmo tempo amedrontava. Na sua mente, uma difícil decisão: será que ela deveria confiar em Adam? Ela sabia que não devia confiar em estranhos, quanto mais entrar no carro de um. Entretanto, o noivo em quem confiava a traíra, por que um estranho tão agradável e cortês iria fazer-lhe algum mal?

Saíram por outra porta para evitar o contato com a mesa deles e foram em direção ao carro de Adam, um Plymouth Fury, vermelho.

Adam conduziu-a pela mão, abriu a porta do carro e esperou que Christine entrasse e se sentasse antes que ele pudesse entrar também.  O interior do carro era muito limpo, os bancos eram macios e aveludados, no espelho interno estava pendurada uma espécie de corrente feita de contas de marfim e no centro, figurava a semelhança da cabeça assustadora de um felino, pelo menos foi o que lhe pareceu. Christine sentiu um calafrio inesperado e como de costume levou a mão ao crucifixo em seu pescoço.

 - Quem é esse homem! – pensou Christine – e por que estou deixando que ele me seduza assim tão fácil? O que está acontecendo comigo?

Adam entrou, sentou-se e ligou o rádio para ouvirem uma canção, Elvis Presley cantava “Blue Moon”. Enquanto sintonizava melhor o rádio, ele se aproximou apoiando levemente o braço na perna dela, Christine sentiu outro calafrio, dessa vez mais intenso, sentiu também um pouco de medo, afinal aquele rapaz era um estranho e aquela cabeça assustadora pendurada no espelho a incomodava.

Os olhos de ambos se encontraram, Adam sorriu, Christine corou.

- Não gosta da música? – perguntou Adam.

- Claro que sim – ela respondeu desviando o olhar. Adam acariciou levemente o seu rosto - ela sentiu seu toque - suas mãos eram frias, mas Christine gostou de sentir aquele toque frio, algo naquele rapaz a atraía e ao mesmo tempo a fazia se sentir pecadora, levou a mão outra vez á cruz celta que pendia em seu colo.

- Tem medo de mim? – perguntou Adam.

Christine não queria dizer, mas tinha. Entretanto, sentia prazer no medo, já fora longe demais naquela noite, queria ficar ali e agora mais do que nunca queria que ele a beijasse. Juntou forças, respirou fundo e respondeu:

- Mas é claro que não! Disse tentando segurar um risinho abafado.

- E se eu te dissesse que você deveria ter medo? – falou isso enquanto aproximava seu rosto ao dela, Christine sentiu seu hálito de menta e se entregou aquele beijo que tanto desejava.

Sentiu as mãos frias de Adam tocando seu rosto, beijando sua boca, seu rosto, tocando seu corpo de uma maneira bem mais ousada e prazerosa, fazendo-a se sentir de um jeito que Ricky nunca antes a fizera se sentir.

Os beijos de Adam se transformaram em carícias, as carícias foram se tornando recíprocas, ela sentiu os lábios dele sugando seu pescoço e permanecendo ali, sentiu que os beijos dele ficavam mais intensos em sua pele pareciam pequenas mordidas. Ela gostava daquilo. Por uma fração de segundo, Christine sentiu-se completa, seu corpo estava relaxado, seus olhos fechados, sentia apenas os lábios dele sugando de leve a pele de seu pescoço, um calor intenso consumia seu ventre. Foi quando ela ouviu barulho de vidro se quebrando, assustada abriu os olhos e deparou-se com os olhos de Adam arregalados, seu rosto fazia uma expressão terrível de dor e sangue escorria do seu nariz e de sua boca.

Christine viu a mesma mão que quebrara o vidro do carro, banhada com o sangue de Adam arrancando-lhe os pulmões como se fossem lenços retirados de um bolso, um estremecimento de horror percorreu seu corpo e um grito de pavor rebentou das suas entranhas. O corpo de Adam pendia sobre o seu, se agitando e esguichando sangue pelo ferimento aberto.

Tentou afastá-lo de sobre si, mas não foi preciso, pois a mesma criatura que o matara, abriu a porta do carro e arrastou o corpo de Adam para o exterior do veículo.

Christine reconheceu a criatura assassina, era Ricky.

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